quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Voltando-se para os Pecadores



“E elogiou o Senhor o administrador infiel, porque se houvera atiladamente, porque os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz”. (Lc 16.8)

E com pezar que leio este versículo da comunidade de Lucas e escrevo estas palavras. Pois desde o meu nascimento freqüento a igreja de Cristo juntamente com minha família, sou pastor por vocação e metodista por convicção.
Quando olho e reparo que anos se passaram e a cada dia me surpreendo como a igreja de Cristo precisa ser relevante, precisa passa por uma transformação, e porque não dizer uma conversão de caminho (metanóia). Pois ao analisamos esta pequena pericope que narra à parábola do administrador, dois sentimentos tomam-me por completo: felicidade e tristeza; fico feliz porque o que Cristo disse está muito a frente de sua época, ou seja não envelheceu, não ficou nem ficará ultrapassado, a sua misericórdia se renova a cada dia, e triste porque Jesus tem razão: “os filhos do mundo são mais hábeis... do que os filhos da luz”. Em outras palavras são mais espertos e sábios, literalmente melhores.
O texto apresenta neste versículo a raiz grega “fronímos ou fronimostenói” que quer dizer: “sabiamente/astúcia/prudência/sagaz/inteligente. O que Cristo declara é que precisamos aprender ser tabernáculos (lugar de culto/adoração) vivos.
Em minha adolescência na igreja encontrei amigos/as muito bem-intencionados/as, muitos deles/as assustadoramente queridos e carentes, mas muitas vezes oprimidos; cantávamos, chorávamos e nos abraçávamos dentro do mesmo teto piedoso, mas muitas vezes ali não estava o espírito de Jesus. Lembro-me que Deus teve misericórdia de mim, alguns anos da minha vida, neste período conheci pecadores diferentes de nós; que não se entregavam como nós da igreja a pecados mesquinhos como a hipocrisia, mentira e o orgulho, eles abriam mão desse amadorismo, tratavam a coisa em si, ou seja a sem-vergonhice mais vital, sensorial e carnal o que muitos chamam de “sexo, drogas e rock’roll”.
Compartilhei o mesmo recinto que pecadores de verdade, gente indecorosa, sensual, e altoindigente: drogados, homossexuais, bêbados, libertinos, prostitutas; poetas: safados, depravados, corruptos e lascivos. Habituei-me ao perfume da maconha, visitei os mais variados mócos, vi carreiras de cocaína se armarem e desaparecerem. Já vi altos e baixos, presenciei tudo e mais um pouco nessa vida. Fora uma cervejinha e outros... me mantive sóbrio e castro durante este período da minha vida (as orações de minha mãe me ajudaram muito).
O livro de Atos (provavelmente escrito por Lucas) e as cartas falam de “cristão que tinham tudo em comum” e eram de um só coração, Jesus falava de amar os inimigos, dar a outra face, emprestar sem esperar de volta, oferecer um banquete a quem não tem como retribuir. Paulo o apóstolo descreve um mundo sem preconceito de raça, sexo ou classe social. João discípulo amado descreve com clareza que “Deus é amor” e que esse amor lança fora todo o medo ou traço de temor.
Este mundo que a Bíblia descreve, poucos cristãos chegam a experimentar, escolhemos definir as coisas não por estas qualidades citadas acima, mas pelo que muitos chamam de frutos do Espírito, destacando sempre o que é negativo e paralisante contra os outros e nós mesmos: a culpa, a mesquinhez a repressão, a neurose, a negação e o niilismo. O mundo em que todos se aceitam e se amam embora faça parte da nossa pregação nominal, nos é aterrorizante por natureza “ a gloriosa liberdade dos filhos de Deus” não nos interessa, porque vivemos em um mundo de superficialidade.
Enquanto estava no mundo percebi que as pessoas são livres da superficialidade das igrejas e da irrelevância burguesa das faculdades, um mundo que se define na prática e não através do discurso ou da demagogia, pela aceitação e pelo amor. Você pode estar se perguntando no mundo isso, duvido? Veja alguns exemplos.
Gente que vive tudo em comum, onde esta Mamom (dinheiro) sua vitoria?
Gente que ignora rótulos de classe, sexo e conta bancária para se tratar como gente no sentido mais fundamental da coisa.
Gente que se recusava ser manipulada pelo desejo e pelo temor, e o fazia entregando-se a um e mandando as favas o outro.
A comunhão que experimentam, descobri que não tem limites, sua generosidade, não espera recompensa que não no instante, não tem paralelo. Os pecadores abrem suas portas uns dos outros a qualquer momento do dia o da noite; repartem sua droga, seu dinheiro sua casa seu pão sem nenhum tramite ou transação sejam com um irmão importuno, seja com quem acaba de tropeçar. Emprestam terrivelmente, sem esperar receber de volta.
Carregam quem precisa ser carregado, descolam um trampo (trabalho) pra quem precisa, tiram a camisa para quem vomitou na roupa, emprestam a chave do carro para quem não tem onde fumar, providenciam o apartamento de alguém na praia para o que foi expulso de casa, repartem sem chiar ou cobrem o tanque de gasolina. Trabalham tanto para os outros como para si, acolhem com graça incondicional; são compassivos até para com os que não toleram, muitos são longânimos com todos que acham ser melhor rejeitar. Convivem sem traumas com a consciência e é apavorante para nós que não querem ser melhores que ninguém. Entre os pecadores não transita apenas a legitimidade de quem se recusa a ter o que esconder: rola um amor que lança fora todo medo.
Gente sensualista, mas raras vezes desonesta, autoindulgente, mas sempre generosa. Pecadora mas não proselitista. Matam-se, mas o que fazem pelos outros é só resgatar. Morrem, mas abraçados. Não é difícil entender porque Jesus curtia tanto a companhia dos pecadores e não escondia seu orgulho em associar-se a eles. Pois neles o espírito de Jesus sobrevive.
Não estou contra a igreja nem a instituição, simplesmente estou avaliando o que Jesus quis dizer em relação aos filhos do mundo e comparar com as nossas atitudes como cristãos/as. Estamos muitas vezes preocupados com qual cargo vamos ficar? Qual grupo de louvor toca nesse domingo? Qual é a linha teológica do pastor/a? Se o fulano tem unção ou não? Tanto orgulho, tanta hipocrisia, tanta mentira, tanta competição e sem perceber esquecemos o essencial. Os ímpios, filhos do mundo, os das trevas estão nos ensinando o que é a unidade, o que é a comunhão, o doar-se, o dar-se o ser verdadeiro administrador do Reino de Deus.
Me perdoe em dizer, mas com lágrimas em meu coração, a igreja reformada precisa-se reformar se atualizar, sair dos protocolos e rótulos pra ir para a fé, sair da mesmice e ir para a novidade, somos realmente um exército que está matando seus próprios soldados para que as pedras possam clamar.
Jesus se sentava com os pecadores, nós estamos fugindo deles, Jesus ensinava e aprendia com eles, nós nos preocupamos com a ornamentação da igreja. Cristo veio buscar aqueles que estão perdidos e nós continuamos lançando pérolas a quem não precisa. Jesus Cristo tabernaculou com os pecadores, por isso declarou que mesmo sem saber estes praticam o amor mútuo. Nós temos a salvação, temos a teoria, mas não exercemos a prática e o Senhor irá sempre elogiar o infiel. Devemos assim como Cristo criar tabernáculos eternos e sermos totalmente desprendidos em graça. “Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia”. (Ap 19.10b)
“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus”. (1Pe 4.10)

Autor: ISrael A. da Rocha

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Inferno, Perdição ou Salvação?



“Eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte; onde estão, ó morte as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição? Meus olhos não vêem em mim arrependimento algum.” (Oséias 13.14) RA

Sobre o inferno. É difícil de entender o que é na verdade, pois assim como o céu, não há evidencias concretas e especificas de como é, e onde se encontra. Até o presente momento só existem folclore e especulações religiosas.
Então afinal o que é o inferno? Existe lago de fogo lá? É a residência do diabo?
Tudo o que não compreendemos criticamos, mas cada coisa tem o seu lugar na história e o seu contexto literário. Este texto não é dogmático nem sistemático, não se trata de um dossiê do inferno, mas uma reflexão que pode trazer luzes a alguns de nossos questionamentos.
Nosso dicionário da língua portuguesa descreve que inferno é: o “lugar em que ficam as almas dos pecadores após a morte, um lugar de tormento e suplica”. Mas na concepção bíblica do Antigo Testamento o termo inferno é conhecido como “xeol” que faz referencia ao destino final dos mortos, que significa lugar (subterrâneo) de todos os mortos, é a mesma palavra citada no versículo acima de Oséias. Quando a bíblia hebraica foi traduzida para o grego (cerca de 200 a.C) e para o Novo Testamento este termo tornou-se em “hades” também traduzido por sem visão e por morte (cf. At 2.27-31; Ap 1.18) também conhecido como lugar do julgamento. Também no Novo Testamento aparece o termo “geena” um abismo de fogo onde se castigavam as pessoas depois do juízo final (cf. Mt 25.41).
Na Bíblia em seu contexto hebreu/Judaico o inferno é um lugar de esquecimento e de morte não existe fogo nem inflama as almas e não é a casa do diabo, pois de acordo com o profeta Isaias: Lúcifer não desceu para o inferno e sim na “terra/mundo” (Is 14.12). Já no contexto helênico há uma mistura de ideologias, misturando culturas e mitos ao pensamento judaizante influenciando e gerando a mansão dos mortos, o lugar do julgamento, e do fogo/castigo eterno.
Falar de inferno, primeiramente temos que mencionar morte, pois estão totalmente conectados, temos também que anexar seu o antônimo céu. Pois não há paraíso se não houver inferno, não haverá inferno se não houver paraíso. Ao contrário do que muitos pensam o inferno ou a perdição eterna é a maior causa de que todos querem ir para o céu, o medo do inferno é um dos principais fatos que legitima o céu. Desde de o período medieval a igreja assustava seus fieis com o medo do inferno, para a cobrança de indulgências. Em suma o inferno era e ainda é utilizado mais para a salvação através do medo da perdição, de vidas que não conhecem o verdadeiro evangelho.
“Não há necessidade de fogo, o inferno são os outros” (Jean-Paul Sartre). Esta frase declara o pensamento iluminista que o inferno não é somente um lugar físico, mas também é um estado daquele/a que estão perdidos e separados de Deus para o mal. Concordo que o inferno não é somente um lugar especifico e também um estado, mas não concordo que inferno são os outros pois nossa salvação, vida e relação depende também do outro, pois Deus criou a humanidade para a coexistência uma relação de unidade em meio a diversidade (suas diferenças). “Inferno não é o outro, é a ausência do outro...” (V. de Moraes) ou seja a solidão o esquecimento eterno e ter tudo e não possuir nada. Creio que o inferno é tudo e todos que não refletem a Deus e estão distantes de sua vontade e presença displicentes de sua graça, portanto a nós cristãos nos cabe salvar as pessoas de sua solidão, morte, pragas e destruição pessoal como esta no versículo de Oséias, para que em arrependimento possamos ver o outro e não a nós mesmos...
“Devemos tirar as pessoas do inferno e o inferno das pessoas...” (A. Ramos) porque o inferno é um devorador faminto e voraz da humanidade nunca satisfeito e sempre pedindo mais. Que assim possamos não almejar o céu, o paraíso e a salvação por medo do inferno, mas sim por que nos encontraremos com quem amamos e com o autor e consumador da nossa fé! Que o inverno não seja um pretexto nem a razão de nossa fé, por que estaremos refém dele.
“O inferno e o abismo nunca se fartam, e os olhos dos humanos nunca se satisfazem”. (Provérbios 27.20)

Autor: Pr. Israel A. Rocha